Lá vem a chuva, lá vem o vento,
mulher de soldado não é gente.
O pau entrou e saiu,
moça casou e pariu.
mulher de soldado não é gente.
O pau entrou e saiu,
moça casou e pariu.
Era uma mulher feia, suja, cabelo desgrenhado, idade indefinida, quase sempre embriagada e monologando de maneira ininteligível, levando as pessoas simples a crer que ela conversava com os seus caboclos, dada a sua fama de feiticeira, possuidora dos livros de São Cipriano e da Bruxa Évora. Essas pessoas, geralmente rameiras e garimpeiros infusados, valiam-se dos seus ebós e acreditava na sua eficácia.
Menino tímido que fui, eu a temia, evitava sua presença.
Naquele fim de tarde de abril, presenciei sua prisão quando estreava uma bola nova, presente de aniversário, num campinho em frente à cadeia. Um dos meus companheiros de pelada, um garoto mais afoito, foi até o interior do quartel e nos informou haverem colocado Geracina no tronco (antigo instrumento de tortura). Pouco tempo depois, ao regressarmos às nossas casas, encontramos Geracina na pracinha, entoando os versos acima, de sua autoria, que a levaram à prisão, alusivos à esposa do cabo Cornélio que, segundo as más línguas, ornamentava a cabeça do esposo e à sua filha Dadinha que, ao contrair núpcias com o soldado Tião - aproveitando a Santa Missão, pois não havia padre em Santo Inácio - pariu logo após a cerimônia, tendo a bolsa partida ainda na igreja, molhando a batina do Missionário Pascoal que ajudou a conduzi-la à casa do carcereiro, em frente da igreja.
Durante vários dias não houve outro assunto na cidadezinha que não fosse a evasão de Geracina da prisão, por força das suas rezas fortes.
Fabiano Bello, fazendeiro bem sucedido mas que teve os seus dias difíceis, conversando comigo, comentando seus percalços, aludindo à loucura passada de sua esposa, Dona Jardelina, admitia sua cura às rezas de Geracina. Reproduzo, textualmente, suas palavras:
- Menino, eu tenho sofrido muito nesta minha vida. Quando Jardelina teve doente da cabeça, um dia piorou e saiu de casa correndo em direção ao lajedo; corri para pegar ela mas só consegui botar as mãos nela no APAGAR DA FLORA. Ela falava tudo quanto era língua, até a língua do Papa de Roma.
Disse-me que teve a felicidade de ter sido seguido por Geracina, durante a captura, e que esta conseguiu acalmar a doente com sua rezas, que aplicadas mais algumas vezes curou-a para sempre.
Não satisfeito com o exemplo de sua esposa, mostrou-me um punhal, conservado do tempo da jagunçada, tomado de um cabra que ferira gravemente um seu trabalhador que, já desenganado, perdendo muito sangue, foi salvo pelas rezas da Geracina.
Menino tímido que fui, eu a temia, evitava sua presença.
Naquele fim de tarde de abril, presenciei sua prisão quando estreava uma bola nova, presente de aniversário, num campinho em frente à cadeia. Um dos meus companheiros de pelada, um garoto mais afoito, foi até o interior do quartel e nos informou haverem colocado Geracina no tronco (antigo instrumento de tortura). Pouco tempo depois, ao regressarmos às nossas casas, encontramos Geracina na pracinha, entoando os versos acima, de sua autoria, que a levaram à prisão, alusivos à esposa do cabo Cornélio que, segundo as más línguas, ornamentava a cabeça do esposo e à sua filha Dadinha que, ao contrair núpcias com o soldado Tião - aproveitando a Santa Missão, pois não havia padre em Santo Inácio - pariu logo após a cerimônia, tendo a bolsa partida ainda na igreja, molhando a batina do Missionário Pascoal que ajudou a conduzi-la à casa do carcereiro, em frente da igreja.
Durante vários dias não houve outro assunto na cidadezinha que não fosse a evasão de Geracina da prisão, por força das suas rezas fortes.
Fabiano Bello, fazendeiro bem sucedido mas que teve os seus dias difíceis, conversando comigo, comentando seus percalços, aludindo à loucura passada de sua esposa, Dona Jardelina, admitia sua cura às rezas de Geracina. Reproduzo, textualmente, suas palavras:
- Menino, eu tenho sofrido muito nesta minha vida. Quando Jardelina teve doente da cabeça, um dia piorou e saiu de casa correndo em direção ao lajedo; corri para pegar ela mas só consegui botar as mãos nela no APAGAR DA FLORA. Ela falava tudo quanto era língua, até a língua do Papa de Roma.
Disse-me que teve a felicidade de ter sido seguido por Geracina, durante a captura, e que esta conseguiu acalmar a doente com sua rezas, que aplicadas mais algumas vezes curou-a para sempre.
Não satisfeito com o exemplo de sua esposa, mostrou-me um punhal, conservado do tempo da jagunçada, tomado de um cabra que ferira gravemente um seu trabalhador que, já desenganado, perdendo muito sangue, foi salvo pelas rezas da Geracina.
7 comentários:
Esse "ponhal"... Sei exatamente porque esse causo é dedicado ao JH.
Sou um leitor indisciplinado, e mais ainda como blog-leitor. Já tinha lido os primeiros textos. E agora, todo o resto de uma só vez. Sem interrupção. Não sei o que foi melhor. Se reencontrar histórias e personagens que já conhecia, ou a surpresa de saber que havia muito mais... Os causos não perderam o sabor da oralidade e ganharam muitas qualidades na sua nova condição de palavra escrita. Isto é mesmo uma boa prosa. E não é por acaso que, no sertão destes personagens, prosa é, em primeiro lugar, sinónimo de uma boa conversa. Gostei muito e - confesso - fiquei esperançoso de algum dia ter o que contar também. E contar tão bem. Como se diz aqui em Angola, mande sempre !
Novamente por aqui para bater o ponto. Continuo Frequês. Abração.
Grato a todos pelas valiosas presenças e simpáticos comentários.Minhas escusas pelas inúmeras falhas que, infelizmente, só as noto depois. Saúde e paz.
Sr. Meireles, estou encantado com o seu talento para contar esses causos fascinantes. Por favor, continue a nos privilegiar com esses momentos de raro prazer.
Saudações Cordiais,
Álvaro Xavier
Querido Sinhô Chicão
Cheguei...demorei, a internauta anda devagar, "quase baiana"...
Seus causos estão porretas!
O Sr. é um contador nato; na palavra e na escrita!!
Merecemos e queremos muito mais!!!
Beijos na memória e no coração.
Ana T.
Sim senhor, seu Sinhô! Gosto muito do que vejo aqui.
Saúde e Paz!
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