25.9.05

DANÇA DE MOCOTÓ

Quando garoto, ouvi de uma prima, Laura, que viveu algum tempo em casa de meus pais, que no seu torrão natal, Poço do Cavalo, lugarejo roceiro no Distrito de Gameleira, então Município de Brotas, as festas dançantes eram compostas de pares do mesmo sexo, ou melhor, barbado com barbado, e titulavam-nas DANÇA DE MOCOTÓ. Creio que o costume não era imposto pela falta de damas, mas por excesso de pudor daquelas almas simples, naqueles velhos tempos, em paragens longinquas da civilização, onde "JUDAS PERDEU AS BOTAS".

Causou-me surpresa, porém, tomar conhecimento que, ainda nos anos 50, tal prática ainda acontecesse: meu saudoso conterrâneo, Naylor Mendes Gomes, Engenheiro Civil, diplomado no início da década de 50, contou-me a história a seguir, que lhe fora contada pelos protagonistas, dois colegas seus de turma: recém diplomados, foram contratados a trabalhar na construção de rodovias, no alto sertão do estado de Sergipe. Por conveniência do serviço, ficaram sediados num povoado distante, isolado, super atrasado, um fim de mundo.

Mês de junho, foram convidados para uma festa de São João na residência do representante do Prefeito do município. Chegaram ao local da festa quando já havia iniciado o arrasta-pé e notaram estarrecidos duas salas iluminadas com candeeiros "PLACA" a querosene: dançavam homem com homem em uma e mulher com mulher na outra. Os jovens doutores ficaram por ali desconfiados, serviram-se de aipim e licor de genipapo, quando, de repente, chega um mulato forte, com estatura de cerca de 1,80m, e dirigindo-se a um dos engenheiros que era bem baixinho, mandou o convite:

- O doutô aceita dançar comigo?

O infeliz rapaz respirou fundo, raciocinou num relance, e não encontrou outra saída:

- O Sr. me desculpe mas já estou comprometido aqui com o colega, fica para outra oportunidade.

Enlaçou então o companheiro e sairam a dançar em direção à porta de saída.

28.8.05

TOTONHO DA LOURA

Descendente de uma velha famosa, imortal, cosmopolita, a "VELHA CARIA" (considerar o cacófato), não perdia parada, ganhando até de Santo Antônio, o Santo de sua devoção.

Pequeno criador, tendo um garrote desgarrado do rebanho, desaparecido, sem que nenhum vaqueiro soubesse do seu paradeiro, apelou para o Santo casamenteiro:

- Meu Santinho, mande de volta o meu garrote que eu lhe prometo metade do dinheiro que Pedro Marchante me pagar por ele.

Milagre ou coincidência, uma semana após a promessa, eis que lhe aparece um vaqueiro da região, a quem solicitara ajuda, trazendo-lhe o ruminante.

Preso o animal no curral do município, o finório xará do Santo olhou longamente o seu garrote e, dirigindo-se ao seu santo homônimo, falou:

- Me perdoi Santo Antônio, o véio (referia à sua pessoa chamando-o de véio) tava vadiando com vancê; também vancê num carece de dinheiro, né meu santinho?

Dia seguinte, indo com Pedro Marchante ao curral, para fecharem negócio, encontrou-o vazio. O garrote forçou uns moirões apodrecidos e evadiu-se.

Novas promessas a Santo Antônio, pedidos de desculpas e, dias depois, o garrote outra vez recuperado.

Avisado de que o animal encontrava-se no curral, não perdeu tempo: mandou um emissário ao Pedro Marchante e prendeu um galo junto ao garrote.

Perguntado por quanto vendia o garrote, o espertalhão disse que por dois mil reis. O comprador perguntou-lhe se não estaria brincando.

- Nunca falei tão sério. Só que "véio" só lhe vende o bichinho se vancê comprar o galo.

- E quanto custa o galo?

- Quinhentos mil reis.

Depois de alguma pechincha, fecharam negócio: o garrote por dois mil reis e o galo por quatrocentos mil reis.

Chegando em casa, Totonho entregou à sua esposa, Dona Joaquina, um mil reis (era assim representado numericamente: 1$000) para ser colocado no cofrinho de Santo Antônio, no oratório.

29.7.05

GERACINA

Ao JH

Lá vem a chuva, lá vem o vento,
mulher de soldado não é gente.
O pau entrou e saiu,
moça casou e pariu.


Era uma mulher feia, suja, cabelo desgrenhado, idade indefinida, quase sempre embriagada e monologando de maneira ininteligível, levando as pessoas simples a crer que ela conversava com os seus caboclos, dada a sua fama de feiticeira, possuidora dos livros de São Cipriano e da Bruxa Évora. Essas pessoas, geralmente rameiras e garimpeiros infusados, valiam-se dos seus ebós e acreditava na sua eficácia.

Menino tímido que fui, eu a temia, evitava sua presença.

Naquele fim de tarde de abril, presenciei sua prisão quando estreava uma bola nova, presente de aniversário, num campinho em frente à cadeia. Um dos meus companheiros de pelada, um garoto mais afoito, foi até o interior do quartel e nos informou haverem colocado Geracina no tronco (antigo instrumento de tortura). Pouco tempo depois, ao regressarmos às nossas casas, encontramos Geracina na pracinha, entoando os versos acima, de sua autoria, que a levaram à prisão, alusivos à esposa do cabo Cornélio que, segundo as más línguas, ornamentava a cabeça do esposo e à sua filha Dadinha que, ao contrair núpcias com o soldado Tião - aproveitando a Santa Missão, pois não havia padre em Santo Inácio - pariu logo após a cerimônia, tendo a bolsa partida ainda na igreja, molhando a batina do Missionário Pascoal que ajudou a conduzi-la à casa do carcereiro, em frente da igreja.

Durante vários dias não houve outro assunto na cidadezinha que não fosse a evasão de Geracina da prisão, por força das suas rezas fortes.

Fabiano Bello, fazendeiro bem sucedido mas que teve os seus dias difíceis, conversando comigo, comentando seus percalços, aludindo à loucura passada de sua esposa, Dona Jardelina, admitia sua cura às rezas de Geracina. Reproduzo, textualmente, suas palavras:

- Menino, eu tenho sofrido muito nesta minha vida. Quando Jardelina teve doente da cabeça, um dia piorou e saiu de casa correndo em direção ao lajedo; corri para pegar ela mas só consegui botar as mãos nela no APAGAR DA FLORA. Ela falava tudo quanto era língua, até a língua do Papa de Roma.

Disse-me que teve a felicidade de ter sido seguido por Geracina, durante a captura, e que esta conseguiu acalmar a doente com sua rezas, que aplicadas mais algumas vezes curou-a para sempre.

Não satisfeito com o exemplo de sua esposa, mostrou-me um punhal, conservado do tempo da jagunçada, tomado de um cabra que ferira gravemente um seu trabalhador que, já desenganado, perdendo muito sangue, foi salvo pelas rezas da Geracina.

27.7.05

CORONÉIS E VIRA-LATAS

Nos tempos das patentes compradas, da Guarda Nacional, reinava em Gameleira do Assuruá o Coronel Reginaldo, chefe político, contando grande número de correligionários, mas também muitos adversários, dentre os quais o mais intransigente e radical era o fazendeiro Galdino, proprietário da Fazenda Tanque, onde residia, a poucos quilômetros de Gameleira.

Naqueles tempos não havia estradas de rodagem naquelas plagas, sendo as viagens feitas em montarias, de preferência burros e mulas, com mais resistência para as estradas de serras.

Certo Promotor Público da Comarca de Xique-Xique, jovem nascido e educado na capital, teve de fazer esse tipo de viagem, acompanhado por um amigo, conhecedor de toda a região do Assuruá, de Xique-Xique a Gentio do Ouro. No primeiro dia de viagem pernoitaram na Fazenda Tanque, Na residência do Sr. Galdino, amigo do companheiro do Promotor. Feita a apresentação, o fazendeiro, apertando a mão do Promotor, falou:

- Muito prazer, seu coronel.

O jovem bacharel, não conhecedor desse tipo de tratamento, ponderou:

- Perdão, Sr. Galdino, eu não sou coronel, sou Promotor Público da Comarca de Xique-Xique.

O fazendeiro retrucou:

- Não se importe, não, meu filho, eu chamo todo cachorro de coronel, pra desmoralizar o Reginaldo.

CARNAVAL NA MERDA

Sem dúvida, Valdevino Macieira foi uma figura marcante em Santo Inácio. Conheci-o já casado, com filhos, mas ainda festeiro e irreverente.

Juiz de Paz, sempre que celebrava um casamento em lugarejos afastados, de pessoas simples, inevitavelmente fazia uma saudação aos noivos, valendo-se de uma oração decorada de um livro, a qual, segundo ele, servia, trocando palavras, para eventos diversos: casamento, batizado, sepultamento, etc.

Folião carnavalesco, sua fantasia de todos os anos era sempre uma casaca ou fraque, (um casaco longo com uma espécie de cauda) ornamentado com fitas coloridas.

Tomando parte em um baile de carnaval na residência de Adenor Olivença (não havia clube em Santo Inácio, os bailes eram realizados em residências), a certa altura da noite foi acometido de uma cólica intestinal; não dispondo o local de instalação sanitária, o nosso folião teve de sair pelos fundos, atravessar um pequeno regato e acocorar-se atrás de uma mamoneira para satisfazer as necessidades. Terminado o "serviço", ao levantar-se para se recompor, ouviu um barulho semelhante a um "PLOFT". Receioso, riscou um fósforo mas nada viu de anormal, a não ser o côcô meio "esparramado". Voltou ao baile e começou a dançar, mas então o salão foi tomado por um insuportável mau cheiro. Iniciam um exame rigoroso e logo descobrem que a origem do fedor era a casaca do Valdevino, que foi intimado a retirar-se imediatamente. É que, ao abaixar-se, a cauda do casacão ficou entre suas pernas, recebendo toda a carga de merda.

Não é que que o cara-de-pau, depois de um banho e troca de roupa, voltou ao baile e dançou até o amanhecer?

Isso me foi contado pelo próprio, num baile de carnaval, usando a mesma casaca.

14.7.05

FRANCO PRETO

Garimpeiro, como todos os pobres de Santo Inácio, para reforçar o orçamento ou amenizar os azares do garimpo, confeccionava ralos e peneiras de folha-de-flandres, para colegas mineiros; atendia também às aguadeiras, colocando fundo de madeira em latas de querozene estragadas pelo longo uso.

Era um preto alto, de fala mansa e medroso. Invariavelmente, iniciava suas conversas com um infalível "xem xem".

Nos idos de 1927, quando o carbonado alcançou preços extraordinários, com os garimpos superpovoados de aventureiros de várias regiões, atraidos pela notícia de dinheiro fácil na extração do negro diamante, eram constantes as brigas, com tiroteios e mortes, especialmente nos dias de feira (sexta e sábado), quando os mineiros desciam as serras para as compras na cidade, abusando na ingestão de cachaça.

Consta que num desses dias, encontrava-se Franco no BARRACÃO, com sua esposa Bertulina, fazendo compras, quando foi surpreendido pelo "PEGA PRA CAPAR", com gritos e descarga cerrada de arma de fogo. Apavorado, Franco saiu em disparada, arrastando Bertulina, já ouvindo o espocar de tiros em todos os quadrantes da cidade. Chegando em casa, foi alojar-se com Bertulina no quarto de dormir, embaixo da cama, e ali ficaram por longo tempo, até não mais ouvirem o pipocar das repetições. Essa longa agonia foi acompanhada de um mau cheiro constante e insuportável, que levou o nosso enfocado ao delírio:

- Xem xem Bertulina, parece que já "morremo" e já "tamo" é "pôde".

Aconteceu que sua cadelinha Baleia, tendo banqueteado alguma carniça num monturo próximo, também fugindo do tiroteio, refugiou-se atrás de um móvel no mesmo quarto e não parava de desprender seus gases nauseabundos.

11.7.05

FAMALIÁ II

Cirilo e o Famaliá
O primo Cirilo era uma pessoa honesta e trabalhadora, mas de uma ingenuidade impressionante: acreditava em entidades folclóricas: lobisomem, caipora, mula-sem-cabeça e, como Negrão, em famaliá.

Contava-me ter conhecido em sua vila natal o Deraldo Viana, o Dedé, que vivia modestamente de confeccionar e consertar bruacas. Certa feita recebeu de um fazendeiro da região algumas dessas malas, para conserto e, ao abrir uma delas, deparou-se com um minúsculo negrinho saltitante que lhe piscava os olhos e fazia caretas; identificando-o como famaliá, não pensou duas vezes: providenciou uma garrafa e aprisionou o diabinho. Não demorou muito tempo para o Dedé abandonar o ofício de "BRUAQUEIRO" e tornar-se comerciante de pedras preciosas.

Segundo Cirilo, Zé Cachacinha, agregado do fazendeiro Leocádio, pegando as bruacas no cômodo onde eram guardadas, viu uma garrafa escondida atrás de um móvel e pensando tratar-se da "branquinha", resolveu tomar uma talagada. Desarrolhou-a e não percebeu (já estava um tanto grogue) o pequenino capeta que saiu e foi alojar-se em uma das bruacas que seguiram depois para a oficina do Dedé.

Como encarregado das linhas telegráficas da ECT em Lençóis, levei o Cirilo para me ajudar na recuperação de um poste caído e o fio partido, na fazenda Campos de São João. Durante o trabalho, em dado momento Cirilo pegou a ponta do fio, examinou e observou:

- Primo, este fio não é ocado não?

Respondi:

- Não, Cirilo, por que?

E ele:

- Se não é ocado, como é que a voz passa?

BRUACA: mala de couro de boi, cru, para transporte de mercadoria em burros e jumentos.

10.7.05

SANTO INÁCIO

"Todos cantam sua terra, tambem vou cantar a minha - Gonçalves Dias"

Santo Inácio!
Que tristeza, que saudade,
ao reviver teu passado.

Pigmeu com fibra de gigante,
ancião com encantos de infante,
a cantar seu fastígio, sua glória,
o vento altissonante no seu brado.

Santo Inácio!

Presépio que se enfeita anualmente
com mil flores silvestres, olorosas,
promessa recebida alegremente
das frutinhas incomuns e saborosaas:

Quipá, cambuí,
cascudo, pussá,
umbu, murici,
ratinha, araçá.

Santo Inácio!

Vejo-te em sonho qual na minha infância
a cantasr, a correr despreocupado,
devassando teu lajedo em partes mil,
enxergando-o viril e poderoso
numa visão otimista, infantil.

Santo Inácio!

Toca de Santo Antonio,
Curral de Pedras,
Banco de Areia,
Pintô, Cajueiro,
Cachoeira do Antônio Joaquim,
Banhos no Cascudeiro,

Guardam ainda, talvez, nos seus recantos
vestígios dessa quadra de encantos
que o tempo me roubou, inexorável.
São registros inocentes, infantis,
brincadeiras ingênuas ou sutis,
às vezes um episódio inenarrável...
Santo Inácio!

Festa do Senhor Santo Inácio:
novenário, foguetório,alvorada,
entrega de ramo e procissão,
baile a prolongar-se até o nascer do sol,
com os "juizes", os patriarcas da terra,
de mãos dadas com a juventude,
na sua festa de arromba
a antecipar o carnaval:
"Oh jardineira, por que estás tão triste..."

Santo Inácio!
Guarda-te-ei para sempre no cérebro
alegre, folgazão, movimentado,
viverei teu presente compensado
das alegres vivências do passado.

7.7.05

CASO DE POLÍCIA

Depois de separada de Zé Pau D´água, seu companheiro de muitos anos, Carmosina envolveu-se numa briga com Antônio de Emília, ferindo-o na bunda, com uma faca de cozinha; ferimento leve, superficial, graças à calça de mescla Confiança e ao calção de valença que a vítima vestia.

Denunciada, Carmosina foi inquirida pelo Delegado, Artur Raimundo:

- Dona Carmosina, por que a senhora feriu o Sr. Antônio da Silva?

Fazendo um círculo com o polegar e o indicador da mão esquerda, e com o indicador da mão direita executando um movimento de vai-e-vem dentro do círculo, Carmosina respondeu:

- Por que? Porque ele queria e eu não queria.

Não me ocorreu perguntar a Otacílio Ferreira Mendes, o Benzinho, Escrivão ad hoc atuando no caso (foi ele que mo contou), como traduziu a resposta da ré, para registro nos autos.

6.7.05

SUPOSITÓRIO MULTIPICA

Dejaniro Souto, o Veím, parece já ter nascido velho. Conheci-o já contando seus dezoito a vinte anos, mas aparentando um velho, bem acabado: magro, baixinho, pálido e enrugado. Seu pingulim nipônico era também mirrado, para desgosto do Veim que experimentava toda e qualquer receita que lhe aconselhavam, na esperança de desenvolvê-lo. Vi-o certa vez, no armazem em que trabalhava, com um barbante saindo de sua braguilha, atado a um peso de 500 gramas pendente.

Tendo Saul Oliveira, um dos gozadores da terrinha, feito-lhe uma pergunta maliciosa, indiscreta, Veím fechou a mão direita no entre-pernas e disse:

- Olha aqui o que tenho como resposta para você.

E Saul, desbocado, doidão:

- Bobagem, Veím, destas picas eu mando fazer um molho de dez e enfiar no meu rabo.

5.7.05

NEGRÃO

Não sei se cheguei a saber o seu verdadeiro nome. Oriundo do Brejo da Serra, garimpava nas minas de Santo Inácio, exercendo eventualmete o ofício de positivo (levar e/ou trazer algo, a mando de alguém), principalmente para os diamantários Faburino Bessa e Artur Raimundo, quase sempre para transmissão de mensagens telegráficas em Xique-Xique.

Era rico o repertório do Negrão sobre causos sobrenaturais envolvendo Mãe D´água, Negro D´água e Famaliá. Famaliá, segundo o nosso enfocado, é um diabinho que o seu proprietário conserva preso numa garrafa e o solta quando quer algo impossível de conseguir pelos meios naturais, mas que o capetinha executa num piscar de olhos, em face do que, todo proprietário de Famaliá é rico.

Para conseguir-se o famigerado diabinho, segundo ainda o Negrão, ter-se-á que obter o primeiro ovo de uma franga preta e chocá-lo no sovaco, período em que o chocador (não necessariamente o dono) é acometido de fastio e febre alta, devendo ser alimentado com chá de canela.

Contava Negrão que Coronel Zé Pedro, seu ex-patrão em Brejo da Serra, senhor de Famalíá, soltou certo dia o seu capeta e ordenou-lhe que lhe trouxesse muito dinheiro. Negrão afirma que em poucas horas a missão fora cumprida, mas sem resultado: o capeta pegou as notas na "Casa do Dinheiro", notas ainda quentes, saídas da máquina e, na viagem de volta, apagaram-se os números.

4.7.05

OBSERVAÇÃO AOS CAROS VISITANTES

Tenho me limitado, até aqui, simplesmente a "vender o meu peixe", sem me preocupar com a sua evisceração, com a retirada das escamas, pelo que encareço a compreensão de todos vocês.

A propósito, lembro-me de um certo chefe político do Assuruá que não punha nenhuma pontuação em suas missivas e no final das quais, após a assinatura, imprimia um montão de vírgulas, ponto e vígulas, reticências, pontos de interrogação, etc, como a dizer: coloque-os nos seus devidos lugares.

Pena não ter conservado uma de suas cartas para meu pai.

Saúde e paz para todos. Até amanhã.

ZÉ DUM DUM

Até o final dos anos 40 a cera de carnaúba constituia a principal renda dos fazendeiros dos municípios de Santo Inácio, Xique-Xique e Barra do Rio Grande. Sua extração passava por etapas diversas, desde a derrubada das palhas, passando pela secagem nas ramadas, trinchagem (rasgar as palhas com trincha, uma espécie de faca), pela batida das palhas para extração do pó e finalmente a fervura do pó para formação da cera, envolvendo muitos trabalhadores que, em virtude da remuneração miserável por um trabalho penosíssimo, surrupiavam sempre palhas, pó e até mesmo a cera.

Zé Dum Dum vivia nos tabuleiros de Santo Inácio exercendo o ofício de "alfaiate de couro", confeccionando gibão, perneira e outras peças de couro para vaqueiro, fazendo, eventualmente, bico no carnaubal.

Certa feita desapareceu grande quantidade de palhas em determinada ramada, verificando-se a existência de um rastro estranho, disforme e redondo, a partir da saída da ramada. Antônio do Cupido, famoso conhecedor de pegadas, humanas e de animais, foi chamado para analisar a famigerada pegada. Estudando-a longamente, sentenciou afinal:

- O rastro é do tinhoso, mas a passada é de Zé Dum Dum.

Descobriram mais tarde ter sido o manhoso Dum Dum o autor da "defesa". Amarrara aos pés palhas de carnaúba para imprimir no areal o rastro redondo do capeta.

3.7.05

SANTO INÁCIO

Hoje é domingo, do pé de cachimbo/o cachimbo é de ouro, que deu no besouro/O besouro é valente, que deu no tenente/O tenente é mofino, que deu no menino/O menino... Bem, o menino tomou o seu banho semanal no Bode ou no Cascudeiro, na parte da manhã, com seu pai, homem evoluído para os padrões de então, despindo-se à frente do filho. Na parte da tarde, passeio ao Morro do Cruzeiro para ver as pipas serem empinadas e os namoros tipo JACARÉ entre as moças e rapazes da cidade.

O domingo era um dia especial para o menino, apesar do programa tão simples; é que era o único dia da semana em que a família se reunia na sua totalidade, à hora do almoço. Seu pai mourejava de segunda a sábado, de cinco da manhã às dez da noite, no seu comércio de Secos e Molhados, padaria e outros artigos. Dizíamos, como na letra da linda melodia interpretada por Gal e Tim Maia, DIA DE DOMINGO. Não tínhamos missa, como o imortal Ataulfo, em sua "pequenina Miraí", nem também coreto, jardim e banda. Jardim viemos a tê-lo, mais tarde, na adolescência do menino, ponto de encontro dos namorados que passeavam em grupos, contornando-o, defrontando com suas amadas, ainda no tradicional namoro tipo jacaré.

Hoje, DIA DE DOMINGO, 3 de julho de 2005, saudoso de minha infância e juventude, não me ocorreu nada melhor do que falar um pouco da fase feliz (como o fabuloso Ataulfo, eu não sabia) que passei naquele distante e querido pedaço da Bahia. Até a próxima.

2.7.05

Esposa Cuidadosa

A última foi de Santo Inácio? Vamos a Xique-Xique que hoje é facil, já tem asfalto.

Neiva Barreiras fingia dormir e sua esposa o imitava. Neiva tinha algo premeditado e sua esposa já desconfiava, de longe, notadamente naquele dia que percebeu, algumas vezes, troca de olhares suspeitos.

Neiva levantou-se cuidadosamente e saiu do quarto; sua esposa o seguiu e o surpreendeu batendo na porta do quarto de Ritinha, assessora doméstica, bonita e sorridente afro-descendente (olha a cartilha aí, presidente), peitobundalharmoniosamente bem proporcionada.

Inquirido pela cara-metade, Neiva justificou:

- Estou me sentindo mal, querida, acho que a comida do jantar não me fez bem, ia pedir a Ritinha que me fizesse um chá de erva-cidreira.

A dedicada esposa então retrucou:

- Não, querido, chá não resolve, com a saúde não se brinca, vá para o quarto que vou providenciar um bom remédio.

Em poucos minutos Neiva teve que ingerir considerável dose de óleo de rícino, que o deixou preso em casa no dia seguinte e o convenceu a esquecer-se dos encantos da Ritinha.

1.7.05

Ceguinho Violeiro

O cego Quincas da Viola, encontrando-se "a perigo", tratou com uma "rapariga" sua conhecida um encontro em sua casinha de porta e janela, localizada nas imediações da Praça do Comércio, para as dez da noite de um sábado sem lua. Ao aproximar o momento esperado, com impaciência, o ceguinho começou a dedilhar sua viola, já sentindo o seu apêndice infra-umbilical transformar-se em ponteiro de bússola.

Chico Fumaça, regressando à sua residência depois de uma aventura no lajedo, foi surpreendido por uma inesperada chuva ao chegar à referida praça. Procurando um lugar para abrigar-se, notou luz na casinha de Quincas, ouvindo também o som da sua viola. Bateu na porta e o ceguinho, usando voz melosa, convidou:

- Entra, meu bem, a porta tá só encostada.

Chico Fumaça responde:

- Não é seu bem não, é seu amigo Chico Fumaça.

Decepcionado, temendo ver a sua noite de amor ir para o brejo, o ceguinho trovejou:

- Vai fumaçar no inferno, desgraçado.

30.6.05

Enchente dos Lobos

Janos, filho caçula da viúva Zuzu, tinha o apelido de ENCHENTE DOS LOBOS, mas só os seus amigos mais íntimos, dificilmente, arriscavam nomeá-lo.

Consta que em certa noite tempestuosa de quarto minguante, no garimpo Lobos, Anacleto, cunhado de Zuzu, "com a escrita atrasada", aproveitou-se do "toró", do negrume da noite e da ausência do marido de Zuzu - o qual fora à vila com os dois filhos do casal - para fazer uma visita à cunhada solitária. Entrou e encontrou-a dormindo. Agasalhou-se sobre o seu corpo que se encontrava vestido com a camisola com a qual veio ao mundo e... crau!

Zuzu, despertando, lamentou: "Cumpade Anacleto, meu cunhado, meu cumpade, que horror!".

Anacleto: "Se você não quer, eu tiro".

Zuzu: "Não, cumpade, pra livrar de queixa e reixa, já tá dentro, deixa".

Nove meses depois, veio ao mundo Janos, que em nada lembrava os seus dois irmãos, mas era a cara de Anacleto.

28.6.05

Zé Touro e Roxa

Enquanto Zé Touro passava a semana na serra, nos garimpos de Lençóis, comendo o pão que o diabo amassou, Roxa, sua companheira, ficava na cidade, transando adoidado, com quem topasse, como se costuma dizer no interior, com gatos e cachorros, sendo, de há muito, do domínio público tal sem-vergonhice.

Um seu companheiro de garimpagem, revoltado, resolveu abrir-lhe os olhos e contou-lhe o que toda Lençóis sabia. Depois de ouvir pacientemente, o manso e compreensivo devoto de São Cornélio respondeu-lhe:

- Quem quer pra si só, faz de barro.

Festa de Arromba em Lençóis

A inauguração da casa de chácara do querido e saudoso Paulo Barbosa foi uma festa marcante na cidade de Lençóis. Bebidas finas e iguarias deliciosas, preparadas por um cozinheiro vindo da cidade vizinha de Andaraí, um boiola.

Estive lá com os cinco filhos que tinha na época e recebemos calorosa e acolhedora recepção.

O meu caçula de então, José Henrique (Zeínho), deve ter adorado os doces e salgadinhos e deve ter ouvido alguém falar que o mestre-cuca era veado: alguns dias depois do evento, em nossa casa, ele me abordou:

- Paínho, por que você não compra um veado, para fazer a nossa comida?

24.6.05

Zé Caixeta de Maus Bofes

Nas pequenas localidades do interior baiano, dificilmente as pessoas são designadas pelo nome de família; nomeiam-nas com apelidos, muitas vezes depreciativos e quase sempre seguidos do nome de um "DONO": Henrique Caga Mole, Chico Prego Lorde, Sinhô de Pimentel, etc.

Alguns desocupados são grandes inventores de "DITADOS" (ditos populares), de ordinário, sem origem, sem lógica. Em Santo Inácio, o maior autor desses DITOS foi Seu Nilo; dentre suas criações, lembro-me de uma que consistia em perguntar às pessoas se já fora soldado (militar).

Certa feita, no garimpo Mangabeiras, Aurélio Curimatá achou de fazer tal indagação ao velho Zé Caixeta que passava com um carumbé (ou calumbé) de cascalho às costas:

- Seu Zé Caixeta, o senhor já foi soldado?

Puto da vida com a dureza do seu trabalho e com o apodo "CAIXETA", que abominava; confundindo policial com o verbo soldar; o velho explodiu:

- Quem foi soldado foi tua mãe, fidumaputa, bem no cu pra não cagar.